24 de fevereiro de 2013

Regras definem comportamento

 Antonio More/Gazeta do Povo / Assim como Gabriel Kienem, nenhum aluno do Novo Ateneu pode usar o celular nas aulas. A regra vale em outras escolas



Regras definem comportamento

Normas de conduta escolar devem ser conhecidas e respeitadas por pais e alunos
Dos primeiros anos escolares – quando a criança vive experiências sem se preocupar com a socialização – até as séries que convivem com a turbulenta adolescência, é tarefa obrigatória da escola definir regras sociais claras e que favorecem a convivência e o aprendizado de todos os alunos. Normas são necessárias para definir o que é esperado, exigido ou proibido em relação aos estudantes.
Usualmente descritas no regimento interno do colégio, as regras de conduta vão além da simples definição de direitos e deveres dos jovens. Elas devem abordar também o respeito às diferenças, a tolerância e o equilíbrio entre desejos e responsabilidades. “É importante ter condutas que facilitam o aprendizado e possibilitam que os alunos aproveitem melhor as aulas e as atividades na escola”, afirma Vera Izabel Pugsley Julião, diretora do Colégio Novo Ateneu, que tem em seu site um manual de conduta.
Regimento Escolar
É o documento que estrutura, define, regula e normatiza as ações em cada escola e costuma ser disponibilizado na biblioteca, coordenação pedagógica ou site da instituição. Todos os alunos devem ter acesso a ele e, em algumas escolas, podem inclusive participar da sua elaboração.
Família
Para que crianças e adolescentes entendam e respeitem as regras, é fundamental que a família apoie o que é definido pela escola. É comum pais tentarem driblar determinadas normas, o que confunde os filhos, segundo a psicóloga Fernanda Roche, mestre em Saúde Mental Infantil e coordenadora do espaço Criança em Foco. “Se não há unidade de linguagem entre pais e escola, os estudantes não têm um contorno delineado sobre o que é ou não é aceito pelo código de valores escolar”, diz.
As regras dentro das escolas devem ser justas e equiparadas a todos, mas, além das normas documentadas, é comum que ocorram acordos informais entre professores e estudantes. Os pactos podem ser informados aos pais na reunião de início das aulas ou durante o ano letivo, conforme o desenrolar das situações. Esse é mais um motivo para que a vida escolar do filho seja acompanhada de perto.
“Os pais com filhos na educação infantil de hoje vêm de uma geração pós-ditadura que diz que quer, pode e paga, mas essa postura questionadora em relação à escola não ajuda. Quanto mais esses pais aceitarem o modelo de firmeza e carinho vindo da escola, melhor conseguirão lidar com os filhos em casa”, diz Fernanda.
Assim como há regras comuns a todas as escolas, alguns acordos variam confor­me a linha pedagógica do colégio. Ao matricular a criança em determinada escola, automaticamente, os pais estão aceitando as normas propostas.
Para ajudar o convívio e ser respeitado
• Dia do brinquedo
A relação de segurança que as crianças têm com seus brinquedos faz com que algumas escolas permitam que os alunos levem carrinhos e bonecas à sala de aula em um dia da semana, especialmente nos primeiros anos da educação infantil. Nesse momento, é preciso que os pais ajudem na escolha do que será levado, que não deve ser de muito valor ou difícil de ser substituído, evitando transtornos maiores caso haja estrago ou extravio do objeto. Alguns itens costumam ser vetados, como armas de brinquedo ou eletrônicos.
• Festa na escola
Na educação infantil, dia de aniversário é dia de festa em muitas escolas, embora algumas permitam apenas uma comemoração por mês para todos os aniversariantes do período. O mais comum é permitir a entrada dos pais do aniversariante na escola para uma celebração simples, com bolo, salgadinhos e docinhos durante o recreio. Sobre os presentes, há desde a sugestão de não haver troca até a entrega sem restrições. O ideal é que eles não sejam desembrulhados na frente dos colegas e que não haja distinção entre quem será presenteado.
• Com que roupa
Enquanto o uso do uniforme é obrigatório na maioria das escolas particulares, nas públicas, a norma passa pelo crivo do Conselho Escolar e da Associação de Pais, Mestres e Funcionários. Há instituições que sugerem o uso de uniforme apenas em algumas ocasiões. No Anjo da Guarda, por exemplo, alunos só precisam estar uniformizados quando há passeios fora da escola, por questão de segurança, segundo Vera Miraglia, diretora do colégio. Outra regra comum é o impedimento do uso de roupas e artigos de times de futebol.
• Apaixonados no pátio
O namoro entre colegas não é proibido, mas as manifestações amorosas precisam ser dosadas. Problema de conduta mais comum a ser enfrentado em colégios de ensino médio, os namoricos em público podem render recados aos pais e até advertência. “Os casais podem andar de mãos dadas, mas se despedem com beijo no rosto, como acontece entre amigos. Os pais sempre são avisados, então, se os adolescentes não querem que eles fiquem sabendo, nem fazem nada na escola”, conta Vera Izabel Pugsley Julião, diretora do Novo Ateneu.
• Atividades paralelas
Ações planejadas pelos alunos, como venda de rifas, abaixo-assinado ou amigo secreto, geralmente exigem autorização da escola. Essa medida é tomada como forma de evitar constrangimento com famílias que não querem que os filhos se comprometam sem a autorização deles. Em relação a festas e atividades externas, mesmo que a escola permita a distribuição de convites a poucos alunos, é bom ter bom senso. Se a intenção é convidar apenas os colegas mais próximos, não é preciso combinar em sala de aula, na frente de toda a turma.
• De olho na saúde
Estudante doente não pode ser impedido de ir à escola, mas a família precisa ser orientada a evitar mandá-lo ao convívio de colegas. Além de preservar quem está mal, é evitada a contaminação. “Tem pai que gosta quando a escola diz que não tem problema mandar a criança, doente. Mas eles têm de pensar que, assim como a escola fala isso para eles, diz o mesmo para outros pais. Ninguém quer deixar um filho bem na escola e buscá-lo doente depois”, lembra a psicóloga Fernanda Roche. A administração de remédios deve ser feita por uma pessoa responsável na escola.
• Conectados, na aula
Na escola é assim: regra para professores e funcionários, regra para alunos. Celulares e afins precisam ficar desligados durante o horário de aula. Telefonemas, mensagens, jogos ou músicas, são permitidos apenas nos intervalos ou no recreio. Na maioria das vezes em que o telefone toca em aula, é a própria família que está ligando, conta Vera Julião. “Um dia, um professor de Matemática atendeu o celular de um aluno no meio da aula. Era a mãe do garoto dizendo que só precisava passar um recadinho rápido”, conta a diretora.





17 de fevereiro de 2013

Por que não contamos aos alunos, todos os dias, uma história?

 
Ilustraçãi de Jimmy Liao no livro Uma noite muito
Era uma vez uma bruxa que tinha perdido a memória. Esquecera como transformar príncipes em sapos, como provocar incêndios com um estalar de dedos, como desencadear terremotos com uma careta acompanhada de palavras em algum idioma incompreensível. Desesperada, vendo-se cada vez mais sem poderes, ela conseguiu se lembrar de um feitiço, apenas um, o primeiro que tinha aprendido no começo de sua carreira de bruxa. Era o feitiço de trancar portas e janelas para sempre. E desde então ela nunca mais conseguiu sair de sua casa.
Não é preciso acrescentar muito mais. As crianças se encarregam dos desdobramentos. Elas próprias poderão convocar novos personagens para o relato, inventar situações, criar e desenvolver possibilidades.

"Era uma vez"...Toda vez que contamos que "era uma vez" reabrimos caminhos de percepção e conhecimento. A pequena história da bruxa sem memória não vai querer sair da nossa memória... A não ser que fechemos todas as portas e janelas, porque nenhuma história é tão boba a ponto de querer ficar trancada para sempre numa "cachola".

"Era uma vez" é uma forma de pedir sem pedir nossa merecida atenção, uma oportunidade, um evento que inaugura espaços para sobrevoar as nuvens, desbravar as florestas, visitar o fundo dos mares, descobrir passagens secretas, escalar as montanhas mágicas, decifrar textos sagrados, fazer e desfazer feitiços.
Por que não contamos aos alunos, todos os dias, uma história? Nada que seja longo ou muito complicado. Podemos narrar micro-histórias, microcontos, histórias breves, piadas, episódios inusitados, captações do cotidiano, novas lendas, mitos renovados...
Que seja um compromisso de hora marcada, mas não burocrático. Momento aguardado todos os dias, porém, por ser janela poética que se abre e deixa entrar a luz da imaginação na sala de aula... e nas mentes.
Aprende-se a contar?Aprender a contar histórias é sempre uma forma divertida de entender o mundo e o comportamento das pessoas. E contar histórias compactas torna a tarefa mais acessível e factível. Não é preciso pensar em demasiadas questões, pois a questão principal se concentra num número reduzido de personagens e numa ação que não se estenderá por dezenas de capítulos como numa novela ou romance.
Para começar, é importante ter em mente alguma dificuldade, alguma "fratura", algum problema (à primeira vista insolúvel), para que a história desperte rapidamente o interesse dos ouvintes. A nossa vida é um exemplo de altos e baixos, acertos e enganos, avanços e recuos, sustos e alívios. A história inventada recebe sua inspiração profunda do caráter biográfico de nossa existência.
Reconhecemos, por exemplo, na bruxa desmemoriada, um problema que tem muito a ver com certos modos de avaliação de aprendizagem. Se aprender se limita à memorização de fórmulas e regras, o destino pode vir a ser a prisão eterna, a reprovação sem saída. 
Narrativas curtas no início da aula (associadas ou não a algum tema a ser abordado) exigem a fantasia em diálogo com o realismo. Uma história inventada não precisa ser absurda. O mundo em que animais e plantas falam, objetos têm personalidade e monstros estranhos atuam com naturalidade: é o nosso mundo humano, o único mundo que conhecemos, mas que se reapresenta revestido de outros formatos, outras cores, outros movimentos.
Aprendemos a inventar histórias quando aprendemos a ver o outro lado da vida. Que, no fundo, é a vida que vivemos, mas agora transfigurada pela mente que não tem medo de transbordar.
 
Ensinar sem ensinarTemos de aprender a desfazer o feitiço do tédio. A pedagogia do tédio é uma teia, na qual ficamos presos, presos ao receio de encontrar o desconhecido.
Era uma vez uma aranha que passava seus dias tecendo uma teia quase invisível, mas muito resistente, na qual insetos voadores caíam sem perceberem. Os fios de sua teia eram tão fortes que poderiam prender um pássaro, pensava a aranha, sorrindo e tecendo. Um dia, enquanto cochilava, sentiu vibrações estranhas: uma nova vítima tinha caído em sua armadilha. E parecia ser um bicho grande, que se debatia com força, tentando se libertar a qualquer preço. A aranha correu até lá, pronta para degustar um almoço que poderia durar uma semana inteira... e encontrou a mão do jardineiro desfazendo sua teia, pouco a pouco.
Ainda temos a pretensão, talvez, de ensinar algo com nossas pequenas histórias. E, de fato, alguma coisa havemos de ensinar. Mas se trata de ensinar sem ensinar. Não temos como adivinhar o que os alunos vão aprender com nossas micro-histórias.
Possivelmente nem nós mesmos saibamos o que estamos nos ensinando. O que me diz a aranha dessa história? Sonhando alto, desconhece o que existe para além de sua teia, seus planos e projetos. Nós também, professores, não podemos prever tudo. Iniciar uma aula com uma história é ter a atitude de disponibilidade para aprender. Aprender e se surpreender.

*Gabriel Perissé é doutor em Filosofia da Educação (USP) e pesquisador do Núcleo Pensamento e Criatividade (NPC) - www.perisse.com.br

9 de fevereiro de 2013



Menos da metade dos professores da rede pública leem no tempo livre

Menos da metade dos professores das escolas públicas brasileiras tem o hábito de ler no tempo livre aponta uma pesquisa feita pelo QEdu: Aprendizado em Foco, uma parceria entre a Meritt e a Fundação Lemann, organização sem fins lucrativos voltada para educação.
Baseado nas respostas dadas aos questionários socioeconômicos da Prova Brasil 2011, aplicados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), e divulgados em agosto do ano passado, o levantamento do QEdu mostra que dos 225.348 professores que responderam à questão, 101.933 (45%) leem sempre ou quase sempre, 46.748 (21%) o fazem eventualmente e 76.667 (34%), nunca ou quase nunca.
No caso da professora Denise Pazito, a leitura levou a prática da leitura para as salas de aula, no entanto, muitos brasileiros terminam o ensino básico sem ler um livro inteiro. Para além da falta do hábito de leitura, a questão pode estar ligada à infraestrutura.
"O número de professores que não leem é chocante, mas isso pode estar ligado ao acesso. É preciso lembrar que faltam bibliotecas e que um livro é caro. Um professor de educação básica ganha em média 40% menos que um profissional de ensino superior. Acho que faltam políticas de incentivo. Não acredito que seja apenas desinteresse", diz a diretora executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.

Falta de bibliotecas

Um levantamento divulgado em janeiro pelo movimento mostra que o Brasil precisa construir 128 mil bibliotecas escolares em sete anos para cumprir uma lei federal que vigora desde 2010. Para sanar esse déficit até 2020, deveriam ser erguidos 39 espaços por dia, em unidades de ensino públicas e particulares.
Atualmente, a deficiência é maior nas escolas públicas (113.269), o que obrigaria a construção de 34 unidades por dia até 2020.
Para Priscila, uma possível solução seriam os livros digitais. O (Proinfo Integrado) Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional do MEC (Ministério da Educação) distribui equipamentos tecnológicos nas escolas e oferece conteúdos e recursos multimídia.
Além disso, o governo facilita o acesso aos conteúdos por meio da distribuição de tablets, tanto para professores quanto para estudantes. No ano passado, o MEC transferiu R$ 117 milhões para 24 estados e o Distrito Federal para a compra de 382.317 tablets, destinados inicialmente a professores do ensino médio.
Sobre o acesso digital, os dados do levantamento do QEdu mostram que 68% dos professores (148.910) que responderam à pergunta usam computador em sala de aula. O Estado com a maior porcentagem é Mato Grosso do Sul: 95% dos professores disseram que usam o equipamento.
O Maranhão é o Estado com a menor porcentagem (50,5%) de professores fazem o uso do computador. É lá também onde se constatou a maior porcentagem de escolas onde não há computadores: 38,3%.
Estão no Sudeste, no entanto, as maiores porcentagens dos professores que acreditam não ser necessário o uso de computador nas salas: Minas Gerais (16%), Rio de Janeiro (15,4%) e São Paulo (15%).

Tecnologia

O responsável pelo estudo, o coordenador de Projetos da Fundação Lemann, Ernesto Martins, diz que o país vive uma época de inovações no ensino e de incorporação dos meio digitais, como disse recentemente em palestra no Brasil o professor norte-americano Salman Khan, que usa o meio digital para promover acesso ao ensino.
"Existem muitos desafios no país ligados a problemas de infraestrutura. Não apenas de acesso às máquinas, mas de acesso à internet, à qualidade dos sinais", disse.
Ao recepcionar o professor norte-americano, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, ressaltou a importância dos meios digitais: "O conteúdo ao qual o filho dos mais ricos tem acesso pode ser dado aos menos servidos de educação. Queremos tornar a educação não algo escasso, mas um direito humano que todas as pessoas possam ter", disse.

7 de fevereiro de 2013






EDUCAÇÃO

Em 72,5% das escolas brasileiras não há biblioteca


O Brasil precisa construir 130 mil bibliotecas até 2020 para cumprir a Lei 12.244, que estabelece a existência de um acervo de pelo menos um livro por aluno em cada instituição de ensino do país, tanto de redes públicas como privadas. Hoje, na rede pública, apenas 27,5% das escolas têm biblioteca.
Para equipar todas as 113.269 escolas públicas sem biblioteca, seria necessária a construção de 34 unidades por dia, segundo um levantamento realizado pelo movimento Todos Pela Educação com base no Censo Escolar 2011. O estudo também faz uma comparação com números do Censo 2008 e mostra que, mesmo as escolas construídas nos três anos seguintes (foram 7.284 novas unidades) não contemplam o espaço: apenas 19,4% dessas novas instituições têm biblioteca.
Os Estados mais carentes são os das Regiões Norte e Nordeste, que tradicionalmente têm infraestrutura escolar precária, com escolas que chegam a funcionar em construções sem energia elétrica e saneamento básico. Na rede municipal do Maranhão, por exemplo, só 6% das escolas têm biblioteca.
O que destoa da lista, no entanto, é o aparecimento do Estado de São Paulo com um dos piores resultados do ranking, com 85% das unidades de sua rede pública (escolas estaduais e municipais) sem biblioteca. São 15.084 unidades sem o equipamento. Um enorme prejuízo, se considerado os resultados da edição 2012 da pesquisa Retratos do Brasil, que mostrou que, entre os 5 e 17 anos, as bibliotecas escolares estão à frente de qualquer outra forma de acesso ao livro (64%). “Isso mostra que só a legislação não é suficiente, porque tem lei que realmente não pega”, afirma Priscila Cruz, diretora do Todos pela Educação.
Quando se analisa o déficit por nível de ensino, vê-se, ainda, que as instituições de ensino infantil são as mais prejudicadas: enquanto 82% das escolas de ensino profissional e 52% das de ensino médio construídas após 2008 possuem biblioteca, apenas 10% das de ensino infantil têm o espaço.
Uma opção que é um contrassenso, argumentam os educadores, já que é na faixa etária dos 5 anos que a criança está descobrindo a língua escrita e tem de ser estimulada à descoberta e ao gosto pela leitura. No ensino médio, o estudante já teria acesso a outros ambientes de leitura. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.





3 de fevereiro de 2013

Educação para a sexualidade





É papel de um Estado que se diz fundamentado nos direitos humanos apoiar os jovens em sua entrada em uma vida sexual protegida, segura e autônoma, em vez de tratá-la como temível e perigosa.

Por Gabriela Calazans, Dulce Ferraz



Sexualidade e juventude são assuntos que despertam grande interesse na sociedade brasileira. Quando associados, geram debates acalorados sobre questões ainda polêmicas, como a iniciação sexual “precoce”, os “riscos” da gravidez na adolescência e a diversidade sexual. Esse último tema teve destaque na disputa eleitoral pela Prefeitura de São Paulo, em função do kit anti-homofobia produzido pelo Ministério da Educação na gestão de Fernando Haddad, agora candidato. As reações provocadas pelo material educativo mostram o cenário de conservadorismo em que estamos imersos e o temor que o rompimento de paradigmas provoca em parte da sociedade.

Sexualidade e juventude são dois construtos sociais fortemente naturalizados – a sexualidade como um “instinto natural” e a juventude como uma “fase natural”.1 Ao subordinar a sexualidade a hormônios “fervilhantes” da adolescência, associada ao desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, produzem-se modelos educativos limitados a informar sobre o amadurecimento sexual orgânico e o controle dos impulsos, a fim de prevenir eventos que poderiam atrapalhar um certo ideal de juventude e de planos para o futuro.

Mas a vivência da sexualidade extrapola essa dimensão orgânica, assumindo significados singulares em trajetórias que se desenvolvem em contextos específicos. As gerações mais recentes, submetidas às exigências de maior escolarização para inserção profissional, têm experimentado o adiamento de marcos biográficos importantes, como o término dos estudos, a saída da casa dos pais e o início da vida profissional e conjugal. Aí a sexualidade se configura num dos principais domínios da vida social para o estabelecimento da autonomia de jovens em relação às famílias. 2 Representa o aprendizado de como se estabelece um relacionamento afetivo e sexual, mesclando experimentação pessoal e absorção da cultura sexual do grupo, envolvendo representações, valores, papéis de gênero, rituais de interação e de práticas.

As intensas preocupações sobre sexualidade juvenil e o universo da educação para a sexualidade inserem-se nesse contexto em que jovens podem representar uma nova geração de valores. Valores distintos dos de seus pais e das gerações anteriores. Um olhar para pesquisas recentes sobre sexualidade juvenil pode ajudar a analisar se essa transformação vem ocorrendo e de que maneiras.

As evidências contrariam o senso comum que proclama haver uma iniciação sexual cada vez mais precoce e um descompromisso dos jovens em suas relações afetivas. A idade média da primeira relação tem se mantido estável no Brasil, acontecendo, em média, aos 14,9 anos. 3 A maioria dos jovens mantém relações estáveis, nas quais ocorrem suas transas. Refletindo padrões de gênero hegemônicos, rapazes iniciam-se mais precocemente do que moças, e estas, frequentemente, mantêm-se em relação estável com seu primeiro parceiro sexual, enquanto aqueles mantêm vários relacionamentos estáveis com parceiras distintas. 4

Ficar e namorar se afirmam, para jovens de ambos os sexos, como etapas de experimentação afetiva e sexual com valor em si, desvinculadas do caráter preparatório para o casamento anteriormente atribuído ao namoro. 5 O ficar, em particular, introduziu mudanças de valores significativas, como a transitoriedade das relações, a flexibilização do pacto de exclusividade das parcerias e a suplantação da prerrogativa da iniciativa masculina.6 Como desdobramento desse último ponto, a idade de iniciação sexual das mulheres diminuiu cerca de dois anos em duas décadas.7

A gravidez ocorre mais precocemente entre mulheres do que entre os homens, já que elas tendem a se relacionar com homens mais velhos, de forma que é mais frequente a experiência de gravidez na adolescência entre as mulheres; também é mais precoce entre adolescentes com menor escolaridade e renda, mostrando-se relacionada às menores perspectivas de projeto de vida.8

O aborto segue sendo mais acessível e seguro para jovens mais abastadas e mais arriscado para as mais pobres. Entretanto, independentemente da classe social, mostra-se como uma decisão compartilhada com familiares, parceiros e amigos, indicando uma atenuação de seu caráter de segredo e tabu. 9

Há intensificação da visibilidade das demonstrações de afeto entre casais homossexuais nos diversos espaços de convivência, assim como da demanda pelo reconhecimento da legitimidade de suas uniões estáveis e famílias; e, simultaneamente, um contexto cada vez mais violento de represálias da exposição de jovens em condutas não heterossexuais no espaço público. 10

Depreende-se, daí, a existência de um cenário complexo, em que transformações convivem com a permanência de valores hegemônicos sobre a sexualidade, interagindo com mudanças em outras dimensões da vida social. Diante dele, propostas de educação para a sexualidade na juventude devem além de assegurar o acesso à informação, favorecer a compreensão dos cenários relacionais em que os encontros sexuais ocorrem, o reconhecimento do desejo ou não de estabelecer intimidade corporal com alguém, a capacidade de refletir sobre as convenções sexuais e proteger-se tanto da eventualidade reprodutiva como de potenciais doenças.

É papel de um Estado que se diz fundamentado nos direitos humanos apoiar os jovens em sua entrada em uma vida sexual protegida, segura e autônoma, em vez de tratá-la como temível e perigosa. Ao promover a educação para a sexualidade, ao Estado cabe respeitar e proteger as decisões sexuais e reprodutivas de mulheres e homens jovens, evitando que outros interfiram no exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos, e promover esses mesmos direitos, recusando quaisquer interferências de ordem religiosa nas políticas públicas que atendam a esses deveres.

Gabriela Calazans

Mestre em Psicologia Social, CRT-DST/Aids da SES-SP, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Nepaids/USP

Dulce FerrazMestre em Medicina Preventiva, Fiocruz (Brasília) e Nepaids/USP.

1 de fevereiro de 2013

O lugar onde vivo.

Essas fotos mostram um pouco do lugar onde vivo-Juçaral dos Saraivas Município de Vitorino Freire-MA


Foto de satélite